Você provavelmente já ouviu esse mito. Pois bem, ele já não cabe mais nas organizações de alta competitividade, principalmente em empresas que estão adotando o princípio de “Gestão Ágil”. Como podemos avaliar no artigo do trainer e coach Dante Mantovani, publicado em sua página no Linkedin, a gestão ágil envolve a divisão de uma empresa em pequenas equipes, cada uma atuando como uma startup autônoma e interligada a outras, impondo um contexto de transformação para a área de Recursos Humanos, que terá o desafio de formar líderes ágeis para um mundo ágil e não linear. Confira:
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por Dante Mantovani*
O “Manifesto Ágil” (no original Agile Manifesto) nasceu há 17 anos, para aprimorar o desenvolvimento de software: acelerar a inovação e adaptação ao gosto dos clientes. Os princípios que o guiam – incluindo a auto-organização, a colaboração e a multifuncionalidade das equipes – vem inspirando um movimento que ultrapassa as fronteiras da tecnologia, em direção a outras áreas, desde o desenvolvimento de produto até manufatura – incluindo o RH.
A essência da gestão ágil envolve a divisão de uma empresa em pequenas equipes, cada uma atuando como uma se fosse uma startup autônoma e interligada a outras – tudo junto e misturado! O foco é transformar a maneira pela qual a empresa opera para conseguir acompanhar as demandas em constante mudança, como em uma metáfora do alvo móvel – se a flecha demora no percurso, não chega nem perto da beirada.
Empresas que se tornam ágeis formam e modificam equipes nos conhecidos modelos de tribos, squads e chapters – e isso não acontece num vazio, e sim em um processo de transformação, que, como todo processo de mudança, encontrará resistências. Segundo pesquisas da Versionone, 63% dos respondentes acreditam que a cultura da empresa entra em conflito com os valores do “ser ágil” e mais de um terço questiona a predominância de práticas e processos inconsistentes com os mesmos valores.
Para ter sucesso no modelo ágil, o RH tem um papel fundamental em reavaliar a forma como realiza a gestão do desempenho, avalia o talento, desenvolve e remunera competências e como contrata pessoas. Neste artigo, colocarei ênfase nos aspectos do desenvolvimento de lideranças.
Uma questão que chama a atenção é como vencer as barreiras internas para que a empresa se torne verdadeiramente ágil. Por exemplo, o feedback em todas as direções, e especialmente de baixo para cima é uma característica de organizações ágeis – entretanto, em culturas organizacionais que valorizam o controle, a linearidade e a hierarquia, as pessoas talvez não estejam acostumadas a expressar o que pensam sobre a gestão, assim como os gestores não estão preparados para ouvir críticas. Uma prática, realizada em um banco canadense, ajudou a quebrar essas barreias. A empresa introduziu coaches ágeis nas equipes de negócio, inclusive para a alta gestão, de modo a oferecer uma reflexão regular e mais aprofundada do feedback recebido – e ajudou a “embarcar” o time de líderes na atitude ágil, por identificar rapidamente sucessos, fracassos e causas concretas – uma forma tangível de provar seu valor. Essa prática corrobora com a percepção dos respondentes da pesquisa da Verisonone: 52% acreditam que coaches internos ajudam a empresa a se tornar ágil.
Para preparar líderes ágeis, é fundamental, dentre outras coisas, rever o modo como se realiza a gestão do desempenho. Por exemplo, faz sentido realizar duas conversas de feedback ao longo do ano em uma realidade na qual o colaborador participa de vários projetos? É fácil perceber os benefícios para essas pessoas ao receber feedbacks mais frequentes. Empresas como Deloitte, Accenture e GE acreditam que os processos tradicionais de gestão do desempenho, baseados em uma ou duas conversas formais de feedback por ano, não estão em sintonia com os princípios ágeis. Recentemente, começaram a introduzir mudanças, como a realização de feedbacks continuados, mais curtos, documentados em sistema e que permitam as equipes ágeis corrigirem os erros ao longo do percurso, melhorando o desempenho e aprendendo por meio da troca. Na mesma direção, a J&J realizou um experimento restrito a alguns grupos internos para realizar o feedback contínuo, por meio de um aplicativo que permite trocas em tempo real. Após a fase inicial, concluiu-se que, para superar os hábitos arraigados em torno de cinco conversas pontuais ao longo do ano, era necessário capacitar gestores para mostrar a importância do feedback e criar “campeões da mudança”, pessoas que modelavam a atitude esperada das equipes, pela melhor forma de liderar: dando exemplo.
Equipes ágeis precisam de líderes que saibam muito bem, além das técnicas ágeis, como desenvolver pessoas. Para acelerar essa mudança, empresas como P&G e J&J investem em treinamento para capacitar o líder para ser um melhor coach. Nesses programas, são abordados temas práticos, que incluem: como estabelecer prioridades e metas dos colaboradores de modo a gerar comprometimento, como fornecer feedback de reforço e construtivo, como levantar e alinhar às aspirações de carreira com as do negócio, como engajar perfis motivacionais diferentes, como fazer boas perguntas em vez de dar respostas, dentre outros. Ao ser capacitado a conduzir conversas de coaching, o líder estará apto a utilizar a caixa de ferramentas que um bom coach profissional também usa, em qualquer situação.
Programas que formam líderes-coach terão muito maior aderência à cultura da empresa se forem ajustados para a realidade que os líderes enfrentam no dia a dia e possam ter seus efeitos comprovados. Em uma empresa farmacêutica para a qual realizo este programa, a aderência das lideranças se dá a partir da constatação de que as ferramentas práticas que aprendem em sala estão totalmente atreladas a cada fase do sistema de gestão do desempenho. O mito “não tenho tempo para desenvolver pessoas” é desafiado ao longo do programa, quando o líder pratica conversas com colegas e que, em menos de 10 minutos, geram insights. A empresa constatou o impacto da aprendizagem nos resultados e em pesquisas, o que tem reforçado a continuidade do programa – e observou um efeito colateral positivo: apesar de o programa ser voltado para conversas de coaching entre lideres e subordinados, houve também um significativo aumento da frequência de coaching entre pares.
O coaching entre pares é algo totalmente em sintonia com ambientes ágeis. Tome o caso da IBM, que está em um momento de reinvenção do negócio. Uma das estratégias para isso foi adotar totalmente o design thinking e a metodologia ágil para criar valor aos clientes. Ao constatar que as novas formas de trabalho requerem mais comportamentos articuladores, a empresa está incentivando a aprendizagem por meio de coaching peer-to-peer. Em uma conversa de desenvolvimento com pares, o colega mais à vontade para expor problemas – que talvez não expusesse para o chefe – e buscar colaboração. Para isso a empresa criou a plataforma Coach.me para fazer o match, conectando colegas de acordo com suas demandas. Entretanto, isto não significa que o líder deve abdicar da responsabilidade pelo sucesso dos colaboradores e por desenvolver as capacidades certas – aquelas que o mercado demanda. A IBM sabe que nenhuma pessoa sozinha consegue ter todas as respostas e exige que seus lideres sejam o exemplo dos comportamentos esperados: desenvolver as equipes e os colegas.
Formar líderes cada vez mais capazes de desenvolver gente não é mais algo opcional, a meu ver. É questão de retenção dos melhores talentos e de preparar a organização para se tornar, mais cedo ou mais tarde, cada vez mais ágil. Muitos processos da organização, baseados no modelo de planejamento sequencial e disseminação em cascata não sobreviverão, por um simples motivo: quando chegam nas pontas, já estão obsoletos, desatualizados.
O paradigma da agilidade anda de mãos dadas com a não-linearidade, com o flexível, exponencial e adaptativo. É um movimento de dentro para fora, em que o líder, dentro do seu grau de maturidade, precisará rever seus modelos mentais, aprender novos comportamentos voltados a atitude ágil para que catalise as mudanças e engaje pessoas na direção esperada.
Acredito que a área de Recursos Humanos vive, nesse contexto de mudanças, um momento de transformação – e tem nas mãos uma grande oportunidade de fazer a diferença, capitaneando o desafio e responsabilidade de formar líderes ágeis, preparados para navegar em um mundo ágil e não linear. Isto só será possível se os profissionais de RH forem capazes de influenciar a alta gestão e obter o apoio político necessário para as mudanças.
*Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/o-rh-e-preparação-de-líderes-ágeis-dante-mantovani-mba/
Este blog é um acervo de textos, vídeos e artigos sobre gestão, tendências de mercado, mindset, sustentabilidade, carreira, com finalidade educativa, visando a criação de um ponto de consulta e questionamento para contribuir com a formação dos futuros líderes que atuarão em um mercado em constante transformação.