Autonomia para inovar?

Salvaguardas para uma organização mais ágil

As estratégias de RH em grandes organizações frequentemente se deparam com a dualidade entre oferecer mais liberdade para que a sua equipe inove, ou alinhamento e controle para evitar o caos. É possível buscar um equilíbrio nesse cenário? Essa discussão é a proposta do artigo de Deborah Ancona, professora emérita de Gestão da Cátedra Seley, professora de Estudos Empresariais e fundadora do MIT Leadership Center na Massachusetts Institute of Technology Sloan School of Management, e Kate Isaacs, pesquisadora associada do MIT Leadership Center, parceira da Dialogos Generative Capital, e membro do Corpo Executivo do Center for Higher Ambition Leadership, publicado originalmente na HARVARD BUSINESS REVIEW Brasil. Confira a seguir a reprodução do artigo:

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COMO PROPORCIONAR A DOSE CERTA DE AUTONOMIA À SUA  EQUIPE

por Deborah Ancona e Kate Isaacs*

 

Os líderes afirmam que querem dar autonomia a suas equipes e deixar a linha de frente livre para inovar, mas também temem o caos que pode se desencadear se escolherem essa rota. E se as pessoas partirem em todas as direções? Como tomarão decisões? E quanto aos recursos? Quem recebe o quê, e como se pode atenuar todos os riscos? É possível estabelecer alinhamento e controle – e, ao mesmo, tempo proporcionar maior liberdade aos seus colaboradores – estabelecendo algumas salvaguardas, que podem ajudar os líderes a obter mudanças reais.

Se você receia que as pessoas sigam em qualquer direção e não estejam alinhadas com as prioridades estratégicas, eis uma salvaguarda: cultive uma mentalidade estratégica.

Para enfrentar o medo do caos, os líderes podem incutir uma mentalidade estratégica. Isso significa que todos, até mesmo aqueles nos níveis hierárquicos de base na empresa, têm uma noção do modelo de negócio, dos planos estratégicos e de como seu trabalho pode levar a empresa adiante.

A W.L. Gore aprendeu muito sobre como equipar seu pessoal com uma mentalidade estratégica. Logo no início, a empresa dependia de líderes de nível médio para transmitir as informações estratégicas a seus colaboradores. No entanto, essas informações muitas vezes eram mal interpretadas ou não eram absorvidas totalmente. Agora, os líderes mais experientes se dirigem diretamente aos colaboradores, utilizando vídeos, slides, webinars e fóruns presenciais para comunicar estratégias e dados financeiros. “É preciso repetir continuamente, simplificar ao máximo, tornar a comunicação cada vez mais objetiva, assegurando-nos de que ela esteja clara para falantes de inglês não-nativos e explicar aos colaboradores como essa informação tem a ver com seu trabalho”, disse Tom Moore, líder sênior da Gore.

Se você tem receia que ignorar regras burocráticas faz com que as pessoas não saibam como tomar decisões, eis outra salvaguarda: simplifique as regras.

Regras simples, um termo cunhado por Donald Sull e Katherine Eisenhardt, são estruturas just-in-time que ajudam os líderes a lidarem com bloqueios e comportamentos descontrolados. Quando surge um gargalo, os líderes de todos os níveis identificam o problema, elaboram uma regra simples para ajudar a resolvê-lo e, então, se afastam.

A Microsoft implementou recentemente uma regra simples para lidar com bugs que aparecem durante o processo de desenvolvimento de software. Antes, os engenheiros esperavam até o fim do ciclo de desenvolvimento para corrigi-los. Inevitavelmente, porém, depois de consertarem o primeiro conjunto de bugs, descobriam muitos outros. O moral despencava e os prazos de lançamento de produtos se arrastavam indefinidamente. A regra simples de um “limite de bugs” foi posta em prática, calculada pela seguinte fórmula: nº de engenheiros x 5. Se a quantidade de bugs ultrapassar o limite, a equipe de desenvolvimento deixará de trabalhar em novos recursos para manter os bugs abaixo do limite. Hoje, a empresa consegue lançar produtos mais rapidamente porque o software está sempre em um estado saudável.

Se você receia que a liberdade de inovar resulte em um excesso de iniciativas de baixa qualidade e roube recursos das melhores ideias, eis uma salvaguarda: afunilamento.

Muitas ideias surgem nas empresas, mas nem todas podem ou devem ser levadas adiante. Um processo de afunilamento precisa existir. Primeiro, os desenvolvedores de produtos precisam atrair talentos para suas equipes e se aliar com outras pessoas para obter recursos. Ao atrair talentos, algumas ideias são refinadas e aprimoradas, enquanto outras perecem em silêncio se não houver ninguém para bancá-las. Além disso, os líderes experientes que têm uma visão ampla da empresa podem direcionar esforços em projetos semelhantes ou sinergias com outras equipes que estimulam maior integração e refinamento. Esses “líderes capacitadores” elaboram perguntas que ajudam a equipe a descobrir problemas e melhorar o alinhamento estratégico. Acrescente-se a necessidade de provar aos outros que o projeto é uma boa aposta estratégica e que merece recursos da empresa, e logo o número de projetos será muito menor.

A Southwest Airlines emprega um comitê de seleção com membros de todos os níveis da empresa para essa finalidade. Eles sabem que nem todas as ideias podem ou devem obter amplos recursos da empresa, de modo que os membros do comitê decidem em quais projetos se concentrar e implementar. O exclusivo processo de embarque da companhia aérea começou como uma ideia que passou pelo comitê de seleção.

Se você receia que haja muitos empreendimentos arriscados sem níveis múltiplos de supervisão, eis uma salvaguarda: atenuação distribuída de riscos.

Em empresas ágeis, não há pessoal suficiente de controle de qualidade para garantir que os produtos atendam aos padrões, ou profissionais de relações públicas que se ocupem com problemas de reputação. Isso ocorre porque a atenuação de riscos é trabalho de todos. Assim como nas fábricas, onde qualquer funcionário que identificar um problema pode puxar uma alavanca e parar a linha de montagem, qualquer um pode pedir uma “parada” para um projeto que oferece riscos em termos de receita ou reputação. Todos são responsáveis por não expor a empresa a riscos que possam prejudicá-la.

Amy Edmondson, da Harvard Business School, que se concentra na segurança psicológica no local de trabalho, aponta como a empresa de mineração Anglo American usou um tipo de assembleia tradicional sul-africana, ou lekgotla, garantindo aos mineradores a segurança necessária para o compartilhamento de ideias com o intuito de criar um ambiente de trabalho de cuidado e respeito. Mais de 30 mil trabalhadores foram treinados nos novos protocolos de segurança e, como resultado, os índices de mortalidade despencaram.

O setor de aviação tem se voltado para a atenuação distribuída de riscos para transformar seu histórico de segurança, após décadas de acidentes fatais de aviação – 70% dos quais são atribuídos a falha humana. O segredo: criar uma nova cultura em que o risco é responsabilidade de todos e capacitar todos os funcionários com treinamento em assertividade e as vantagens de defender o melhor procedimento, mesmo que isso envolva conflito com outros.

Com o estabelecimento dessas salvaguardas, será muito mais fácil relaxar e guinar em direção a uma organização mais ágil. As salvaguardas fornecem aos colaboradores a estrutura de que precisam para trabalhar de forma mais competente, além de serem muito mais eficientes em proteger a estratégia de uma empresa em comparação aos controles burocráticos minuciosos.

 

* Disponível em:  https://hbrbr.uol.com.br/como-proporcionar-a-dose-certa-de-autonomia-a-sua-equipe/ 

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